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    quarta-feira, 22 de outubro de 2008

    “Hysteria” estreia no Teatro Académico Gil Vicente


    Jornal Universitário de Coimbra A CABRA

    Reportagem por Alicia Martí e Vanessa Quitério


    “Espero matar o Dali”


    A diferença entre a realidade e a ficção, a verdade e a mentira integram “Hysteria”, peça de teatro que estreia dia, quinta-feira, 23, no TAGV


    Hampstead. Londres. Ano de 1938. Um homem de cabelo e barba branca, adoentado, de óculos redondos sobre o nariz, senta-se no seu divã. Está sereno. Vindos da rua, gritos de uma mulher abalam esse sossego. Freud inquieta-se e dirige-se à porta.

    A peça, representada pela primeira vez no Royal Court Theatre de Londres, em 1993, não teve até agora tradução para a língua portuguesa. Coube a João Paulo Moreira adaptar a trama, “facilitando-lhe a compreensão para a linguagem teatral”, refere o actor Fernando Taborda.


    Da autoria de Terry Johnson, a peça apresenta-nos o encontro entre o pai da psicanálise, Freud, e Dali, mestre surrealista. Esta improvável junção de personagens coabita num misto de comédia e tragédia, onde o espectador pode retirar as suas próprias conclusões.


    Chove lá fora. Jessica entra na sala e não de pára de gritar. Freud fica confuso com esta visita, deixando transparecer o cansaço característico da sua fragilidade. Histericamente, a mulher vai criando um enredo que prende quem vê. Levanta questões que assombram o pai da psicanálise e abre caminho à chegada de outras personagens. Para o encenador, José Geraldo, “o texto é fascinante a vários níveis. As personagens que entram na peça e os problemas que representam são actuais e apelativos”.


    O conceito de juntar Freud e Dali num mesmo momento, em nada restringe quem pode ver a peça. “O espectáculo é perfeitamente simples, sem grandes reflexões e discursos”, aponta Rui Damasceno, actor que dá vida ao pintor surrealista.

    A história não fica retida no seu tempo. O encontro entre o pai da psicanálise e Dali, em 1938, acompanha todo o caminho humano, transposto ao longo de toda a peça. O texto desmistifica os mitos, desconstrói a própria existência e, em rasgos de histeria, adapta-se a cada um de nós. “Existem muitas camadas, entre elas, o consciente e o inconsciente, e quem vê a peça pode ler a camada que quiser”, sublinha o encenador.


    Num misto de situações pesadas e simultaneamente sérias, e no retrato de episódios burlescos, as personagens vão surgindo pouco a pouco. Abraham Yahuda, amigo de Freud e o seu oposto, junta-se ao enredo, iniciando assim mais uma viagem aos fantasmas do inconsciente freudiano. Helena Faria, actriz que dá corpo a Jessica, refere que “os medos, as angústias e o preencher de espaços vazios na própria existência, são misturados com momentos ‘out-sider’ que tocam o surrealismo”. A histeria, no seu sentido lato, toma conta da acção. Freud continua confuso e tenta gerir o encontro dos três visitantes.


    “No teatro, se não trouxer nada de novo não presta”


    “Há realmente uma luta entre estes três megalómanos, um da psique, outro da pintura, baforada cómica da peça, e outro da religião”, comenta Fernando Taborda. O drama já não se distingue da comédia mas integra-se nela. A caricatura de Dali é feita por necessidade, para rasgar a ideia que o público tem da personagem. “Espero matar Dali” é o objectivo que Rui Damasceno pretende fazer na interpretação do pintor catalão.


    O lado sério de composição da personagem, da corporalidade e interioridade é a dificuldade encontrada pelos actores. Ricardo Correia que interpreta Freud aponta que a criação do jogo entre o real e o ficcionado “tem de ser algo verosímil e não um boneco”. Ao contrário de Dali, a personagem de Freud tenta manter-se na realidade. “A peça tem algo de diferente”, explica o actor que interpreta Abraham Yahuda. “Podíamos apresentar isto num sítio qualquer e como qualquer peça de teatro, se não trouxer nada de novo não presta”.


    Os apoios para o exercício do teatro em Coimbra continuam ainda longe da realidade da arte de palco. Margarida Mendes Silva, produtora e autora do projecto “Hysteria” afirma que é muito complicado arranjar espaços na cidade. “É uma luta muito inglória mas conseguimos com o inestimável apoio do Instituto Português da Juventude (IPJ) apresentar este projecto.” Para já o estão marcado espectáculos no TAGV nos dias 23,24 e 25 de Outubro, seguindo-se outra temporada no final de Novembro e início de Dezembro no auditório do IPJ em Coimbra.


    A exploração do universo temático de “Hysteria” é o ponto de partida para a realização de uma série de actividades paralelas como um atelier de contos para a infância, uma tertúlia, uma oficina de escrita teatral, um workshop de maquilhagem e uma inauguração de uma exposição plástica.



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